BIAJoão Paulo Querino da Silva
Beatriz decidiu parar de lavar o cabelo. Meio nojento e muito contraditório ou o inverso, mas ela se achava mais bonita com o cabelo sujo e acreditava que com boas fragrâncias poderia disfarçar o provável odor que surgiria com o tempo. Seus cachos realmente ficavam mais definidos daquela maneira, era o seu orgulho, liso em cima e cacheado em baixo. Ela, como toda mulher, já tinha passado alguns dias sem lavar os cabelos e observou que como teste com o tempo quanto mais sujo, mais bonito. Sublime é a palavra certa para definir os fios cintilantes e negros de Beatriz ao vento. Seu cabelo era admirado, elogiado e invejado por muitos e quando questionada nunca contava o seu segredo. O odor realmente dava pra disfarçar, ela era namoradeira e nunca nenhum menino que com ela ficou reclamou ou saiu espalhando que ela tinha cheiro de dread. Beatriz saiu em capa de revista de moda, de maquiagem, de todo tipo de futilidade, usando o seu cabelo domado nas mais variadas formas. Porém, sua visita a salões de beleza ou estúdios fotográficos e ateliers sempre eram marcados por pequenas confusões envolvendo pequenos furtos. O que ela pensou ser normal, nesse meio as pessoas possuem alguns transtornos e cleptomania um dia já chegou a ser moda. O problema é que esses furtos já a estavam incomodando, pesando sua cabeça. Além de tudo, Bia tinha coisas mais importantes com o que se preocupar, sua irmã havia desaparecido algumas semanas atrás e a sorte era de que seus novos trabalhos estavam ajudando em casa, sua mãe muito triste não conseguia mais trabalhar. Um dia sozinha em frente ao espelho se arrumando pra sair, ela tinha um pente, uma escova, um spray fixador, um babyliss e "Peraí!!!! Para de engolir minha chapinha!" O cabelo de Beatriz estava devorando aquela chapinha quente e gostosa ligada a tomada. Ela ainda tentou lutar, mas seu cabelo possuia tanta química que estava mais forte que os bracinhos fininhos e branquelos de Bia. Ela decidiu parar antes que o próprio cabelo a devorasse, a garota suspirou enquanto o cabelo degustava a ultima parte da tomada. A inexplicável juba mutante de beatriz já não fingia mais controle, não precisa mais do vento pra se exibir, mesmo ela estando numa sala a vácuo os cabelos se moviam como serpentes loucas fazendo a pequena Beatriz se sentir uma reprodução fajuta da Medusa. Até que ela a alimentasse com algum produto de beleza e tudo voltasse aparentemente ao normal. Penteados escolhido por ela? jamais. O cabelo agora tinha vida própria e escolhia os próprios modelitos após consultar algumas revistas. Quando não estava rebelde por ter acordado mal, ele deixava de fazer a Medusa e aparecia das mais lindas formas: retrô, futurista, com cores diferentes, mais curto e até mais longo, acreditem, ele sabia o que fazia. Se não fosse pelo seu péssimo hábito de roubar produtos estéticos pra comer, Bia até conseguiria suportar a convivência com o próprio cabelo, ela estava ficando rica e virando referência no mundo da estética, mas sabia que não era certo ser cúmplice de toda essa história, sua mãe a tinha dado uma boa educação. Cansada da vida criminosa e lucrativa, a garota todo dia maquinava diversas formas para seu cabelo voltar ao normal, mas parecia que ele lia sua mente. Certo dia no banho experimentou disfarçadamente tirar a touca, seu cabelo apertou tanto sua cabeça quando percebeu a tentativa que em um grito a menina foi ao chão. Chorando decidiu ameaçar o cabelo com uma máquina de raspar, mas revoltado o cabelo roubou o aparelho de suas mãos e o engoliu de uma só bocada, deu um arroto e vomitou pequenos conjuntos de ossos no chão do banheiro. Junto ao crânio vomitado, Bia percebeu a fita de cabelo não digerida e reconheceu que aquilo pertencia a sua irmã desaparecida. Ela em um segundo passou de cúmplice a refém, o medo penetrou a alma daquela linda jovem tornando-a uma escrava capilar.
QUEM QUISER LER OUTRO MINI CONTO MEU
ELE É DE CANCÊR
UM DISPENSÁVEL CONTO NATALINO