segunda-feira, 26 de abril de 2010

Muito Mar

Hoje eu sonhei com grandes DIMENSÕES de água salgada ao meu redor
Hoje eu sonhei com todas as armas subaquáticas possíveis
arpões de sobra pra atirar
mas sem nenhum vestígio do que caçar.


sábado, 24 de abril de 2010

Contos Doentios

BIA
João Paulo Querino da Silva

Beatriz decidiu parar de lavar o cabelo. Meio nojento e muito contraditório ou o inverso, mas ela se achava mais bonita com o cabelo sujo e acreditava que com boas fragrâncias poderia disfarçar o provável odor que surgiria com o tempo. Seus cachos realmente ficavam mais definidos daquela maneira, era o seu orgulho, liso em cima e cacheado em baixo. Ela, como toda mulher, já tinha passado alguns dias sem lavar os cabelos e observou que como teste com o tempo quanto mais sujo, mais bonito. Sublime é a palavra certa para definir os fios cintilantes e negros de Beatriz ao vento. Seu cabelo era admirado, elogiado e invejado por muitos e quando questionada nunca contava o seu segredo. O odor realmente dava pra disfarçar, ela era namoradeira e nunca nenhum menino que com ela ficou reclamou ou saiu espalhando que ela tinha cheiro de dread. Beatriz saiu em capa de revista de moda, de maquiagem, de todo tipo de futilidade, usando o seu cabelo domado nas mais variadas formas. Porém, sua visita a salões de beleza ou estúdios fotográficos e ateliers sempre eram marcados por pequenas confusões envolvendo pequenos furtos. O que ela pensou ser normal, nesse meio as pessoas possuem alguns transtornos e cleptomania um dia já chegou a ser moda. O problema é que esses furtos já a estavam incomodando, pesando sua cabeça. Além de tudo, Bia tinha coisas mais importantes com o que se preocupar, sua irmã havia desaparecido algumas semanas atrás e a sorte era de que seus novos trabalhos estavam ajudando em casa, sua mãe muito triste não conseguia mais trabalhar. Um dia sozinha em frente ao espelho se arrumando pra sair, ela tinha um pente, uma escova, um spray fixador, um babyliss e "Peraí!!!! Para de engolir minha chapinha!" O cabelo de Beatriz estava devorando aquela chapinha quente e gostosa ligada a tomada. Ela ainda tentou lutar, mas seu cabelo possuia tanta química que estava mais forte que os bracinhos fininhos e branquelos de Bia. Ela decidiu parar antes que o próprio cabelo a devorasse, a garota suspirou enquanto o cabelo degustava a ultima parte da tomada. A inexplicável juba mutante de beatriz já não fingia mais controle, não precisa mais do vento pra se exibir, mesmo ela estando numa sala a vácuo os cabelos se moviam como serpentes loucas fazendo a pequena Beatriz se sentir uma reprodução fajuta da Medusa. Até que ela a alimentasse com algum produto de beleza e tudo voltasse aparentemente ao normal. Penteados escolhido por ela? jamais. O cabelo agora tinha vida própria e escolhia os próprios modelitos após consultar algumas revistas. Quando não estava rebelde por ter acordado mal, ele deixava de fazer a Medusa e aparecia das mais lindas formas: retrô, futurista, com cores diferentes, mais curto e até mais longo, acreditem, ele sabia o que fazia. Se não fosse pelo seu péssimo hábito de roubar produtos estéticos pra comer, Bia até conseguiria suportar a convivência com o próprio cabelo, ela estava ficando rica e virando referência no mundo da estética, mas sabia que não era certo ser cúmplice de toda essa história, sua mãe a tinha dado uma boa educação. Cansada da vida criminosa e lucrativa, a garota todo dia maquinava diversas formas para seu cabelo voltar ao normal, mas parecia que ele lia sua mente. Certo dia no banho experimentou disfarçadamente tirar a touca, seu cabelo apertou tanto sua cabeça quando percebeu a tentativa que em um grito a menina foi ao chão. Chorando decidiu ameaçar o cabelo com uma máquina de raspar, mas revoltado o cabelo roubou o aparelho de suas mãos e o engoliu de uma só bocada, deu um arroto e vomitou pequenos conjuntos de ossos no chão do banheiro. Junto ao crânio vomitado, Bia percebeu a fita de cabelo não digerida e reconheceu que aquilo pertencia a sua irmã desaparecida. Ela em um segundo passou de cúmplice a refém, o medo penetrou a alma daquela linda jovem tornando-a uma escrava capilar.


QUEM QUISER LER OUTRO MINI CONTO MEU
ELE É DE CANCÊR

UM DISPENSÁVEL CONTO NATALINO

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Contos Doentios

ELE É DE CANCÊR
João Paulo Querino

Em um encontro com outras mulheres também traumatizadas percebi que eu não era a única fêmea anatômicamente incompleta. O que surpreendeu as minhas companheiras de crise foi como eu cheguei a ficar naquele estado. Algumas realmente sabiam como eu me sentia, delas umas já nasceram sem, outras perderam na luta contra o cancêr, mas eu, entreguei minha teta esquerda para meu filho.

Numa das seções, em um papo sobre bebês, chegamos a comentar sobre os hábitos dos nossos filhos quando pequenos.

Alguém disse "Meu filho só mamou até os 10 meses"
"Isso é normal" ecoou por vários cantos da sala
Outra delas disse "Meu filho mamou até os 2 anos"
Olhei ao redor e percebi a cara de desaprovação das outras mulheres, não era certo uma criança passar tanto tempo se alimentando só de leite
Respirei fundo e disse "O meu filho mamou até os quarenta e cinco anos de idade"

Foi um parto normal, seus traços eram obra inegável do meu DNA, um nascimento tão óbvio quanto uma mão gestante que dá luz a cinco lindos dedos esguios. Logo que nasceu, ele só calou o choro quando colocou a boca no bico do meu peito esquerdo, de onde nunca mais saiu. Meu filho foi crescendo, meus seios diminuindo. Sim, plural, dois, talvez por não aguentar a barra sozinho o seio livre estivesse enviando leite pro seio escolhido, encolhido. Na verdade com o passar dos anos eu já não sabia mais o que era seio, bico, boca e bochecha, os poros se confundiam, virou uma visão grotesca e bizarra de um tecido confuso digno de freak show. Eu fazia tudo carregando meu filho no colo, ia as compras com ele grudado, ao banheiro com ele ao meu lado, o pequeno leitão não parava de mamar nem se eu saísse correndo freneticamente na chuva. Ele estava preso ou meu mamilo como uma sanguessuga maldita, mamando, sugando sem parar, arrancando de mim tudo o que eu ingeria. Comecei a comer por dois. Ele cresceu e para as pessoas na rua viramos uma espécie estranha e rara de irmãos siamêses. Na verdade ele não parava mais de crescer.
"Filho você já tem 18 anos, já está na hora de colocar a boca em outros lugares"
Ele olhava pra mim, eu sabia que ele me ouvia, me entendia, mas ignorava.
O corpo dele se desenvolveu tanto que eu parecia uma chupeta em sua boca, não era mais eu que o carregava, virei apenas uma extensão do seu rosto. Mais de 3 metros de filho. O mais interessante, é que talvez por só fazer o mesmo movimento oral, meu filho não desenvolveu dentes, pelo menos eu não sentia nenhum ardor na fricção entre sua boca e o meu bico. De início pensei que de tanto esforço meu seio esquerdo chegaria a sangrar, mas nunca caiu sequer uma gota fora da boca do meu bebê, se ele sugava também meu sangue, nunca poderia saber. Algumas pessoas me enviavam cartas, sms, e-mails ou até me ligavam e lá em cima eu lia, era a unica forma de conversar com as pessoas la embaixo. 5 metros de filho. Me proporam cirurgias das mais diversas, mas eu não conseguiria sequer pensar em fazer algo que pudesse machucar meu querido filho. Prefiro machucar só a mim. Um dia, em mais uma visita a um Doutor, ele desacreditado me propôs a retirada da mama. Eu aceitei.

Não existe mais o que sugar de um pedaço restrito de carne, mas acredito que a ilusão ainda é um grande motivador. Hoje meu filho vive bem com um peito murcho e morto na boca.


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segunda-feira, 19 de abril de 2010

INciSIva

Minha língua dança
dentro da minha boca
é frenetico seu movimento pertubador
empurra os dentes
empurra os dentes
Ela cansou da rotina da saliva
deseja outras viscosidades
novas mucosas
se recusa a produzir sons pelos sons
que o barulho seja conseguência

Minha língua pode dançar em outro lugar?
ela enjoou da mesma caverna
Qualquer que seja a abertura
independente da profundidade ou da largura

Minha lingua hoje acordou com instinto explorador.